Amor eterno
pelo colesterol
Durante décadas, alimentos como o ovo foram
tratados ora como vilões, ora como mocinhos. Pesquisas recentes põem fim a essa
gangorra - a mais conhecida (e condenada) das gorduras não faz mal quando é
levada ao organismo por meio da alimentação
Por: Adriana Dias Lopes22/05/2015 às 22:20 - Atualizado em 22/05/2015 às 22:20
(VEJA.com/VEJA)
Já não é o caso, tomando emprestado o
mais conhecido verso do Soneto da Fidelidade de Vinicius de
Moraes, de um amor que seja infinito enquanto dure, posto que é chama. Em
relação ao ovo, o amor agora é eterno, incondicional, irrecorrível. O consumo
do mais eclético dos alimentos de origem animal, abundante em colesterol, a
mais conhecida e condenada das gorduras, acaba de ser definitivamente liberado
pela ciência da nutrição. O aval veio de uma instituição reputada no assunto, o
Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, órgão governamental responsável
pelas diretrizes alimentares americanas - e, portanto, com impacto em todo o
mundo.
A absolvição se estende a outros
alimentos ricos em colesterol, como camarão, coxa de frango (com pele, fique
bem claro), coração de galinha, lula e bacalhau. A novíssima norma pode
representar uma extraordinária reviravolta nos hábitos à mesa. Ela põe por
terra a orientação de cautela no consumo de ovos, para permanecer didaticamente
com o mais claro sinônimo de colesterol ingerido, em vigor desde a década de
60. A quantidade de colesterol levado à boca não podia, até agora, ultrapassar
300 miligramas diários, o equivalente a um ovo e meio (ou a uma coxinha de
frango). Diz Raul Dias dos Santos, professor da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo e diretor da Sociedade Internacional de Aterosclerose:
"É a mudança de padrão alimentar mais drástica já ocorrida desde os
primórdios das discussões sobre o papel das gorduras no organismo".
O documento americano é um cartapácio
de 571 páginas. A alforria do colesterol aparece na 17ª e, em pouco mais de
discretas cinco linhas, abre o sinal verde, com uma recomendação que desde já
começa a fazer barulho pela força de sua assertividade. "Não há evidência
disponível que mostre alguma relação significativa entre uma dieta com
colesterol e os níveis de colesterol sanguíneo. O consumo excessivo de
colesterol não é motivo de preocupação." Ponto. E termina aqui o incômodo
vaivém que ora fazia do ovo e seus congêneres os vilões da dieta, ora os
tratava como mocinhos. À pergunta inescapável - o colesterol dos alimentos faz
mal ao coração? - cabe agora uma única resposta: não. Um não eterno. O
colesterol danoso é tratado sobretudo com medicamentos (estatinas) e atividade
física.
Cerca de 80% do colesterol circulante
no organismo é produzido pelo fígado - o restante vem da alimentação. Em doses
normais, o colesterol (seja o alimentar, seja o hepático) tem um papel importantíssimo no funcionamento do corpo humano,
participando da síntese de hormônios e mantendo a integridade das membranas das
células. Em excesso, porém, danifica as paredes das artérias, o que o faz ser
também a causa principal dos problemas cardiovasculares, como o infarto e o
derrame. O embate, este que agora se encerra, tentava esclarecer qual era a
responsabilidade do colesterol ingerido e qual era a parcela do colesterol
naturalmente fabricado pelo ser humano. Duas recentes conclusões dos cientistas
desempataram o jogo renhido.
(VEJA.com/VEJA)
A primeira: apenas uma pequena parte
do colesterol alimentar é absorvida pelo organismo - cerca de 30%. Graças a um
fascinante mecanismo de defesa, três proteínas (NPC1L1, ABCG5 e ABCG8),
responsáveis pela metabolização do composto, tornam-se ineficientes ante
quantidades muito elevadas de colesterol alimentar, o que o faz circular muito
modestamente. O segundo achado, fruto de acúmulo de conhecimento científico,
foi o que selou de vez a certeza comprada pelos pesquisadores do Departamento
de Agricultura dos Estados Unidos. Um trabalho publicado na revista científica
da American Society for Nutrition, a maior referência em estudos de nutrição,
quantificou, em números precisos, o impacto do colesterol que vem dos alimentos
sobre o colesterol fabricado pelo fígado. Uma análise detalhada comprovou que a
relação entre os dois é salutar. O colesterol alimentar influencia pouquíssimo
os níveis de LDL (o colesterol ruim) no sangue. A conta é exata: 100 miligramas
(o equivalente a meio ovo) aumenta 1,9 miligrama do colesterol LDL do sangue. É
pouco. A gordura saturada, presente na picanha, na manteiga e no toucinho, por
exemplo, provoca o dobro de expansão.
fonte veja
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