Devagar se vai longe — só que não
Há uma forte correlação entre ritmo de vida e saúde
econômica: países ricos miram no longo prazo, perseguem metas e andam depressa
Por: Marcella Centofanti e Daniel Jelin04/04/2015 às 12:45 - Atualizado em 04/04/2015 às 12:45
De olho no relógio: a atitude de uma pessoa em relação ao tempo é em grande parte fruto do aprendizado(Andy Rain/EFE/VEJA)
Existe uma forte correlação entre
percepção temporal, ritmo de vida e saúde econômica. Nos países ricos, a vida
tende a ser acelerada, as pessoas costumam olhar além do aqui-agora e sabem
perseguir metas. Ao contrário, nos países pobres, a vida é mais arrastada, a
preferência é pelo presente, e objetivos distantes são negligenciados.
Em mais de trinta anos de pesquisas,
os psicólogos americanos Philip Zimbardo e John Boyd tentaram entender as
diferentes atitudes das pessoas em relação ao tempo e seu profundo impacto na
sociedade. Para a dupla, as pessoas podem ser classificadas em três categorias:
orientadas para o passado, presente ou futuro. Diversos fatores influem nessa
orientação: religião, escolaridade, cultura, estabilidade socioeconômica,
geografia e até o clima.
Pessoas focadas no passado tendem a
remoer memórias, boas ou más. São ligadas às tradições familiares e
frequentemente se entregam a fantasias sobre um passado idealizado. Abominam
mudanças - a não ser que sejam para voltar no tempo. Sociedades voltadas para o
passado costumam ser marcadas por um trauma passado, o que eleva a propensão à
vingança e à violência e reduz a disposição para a conciliação. Convivem com
baixo desenvolvimento econômico e tendem a ter maioria muçulmana ou católica.
Já os indivíduos focados no presente
têm tendência a serem impulsivos, espontâneos, amigáveis, sensuais,
aventureiros e altruístas. Negativamente, são indisciplinados, impontuais, têm
comportamento sexual de risco, usam mais drogas e álcool e são menos cuidadosos
com a saúde. Morar próximo à linha do Equador, viver em um país de maioria
católica e com política e economia instáveis são fatores que predispõem à
orientação para o presente.
Por fim, pessoas focadas no futuro
tendem a ser mais bem-sucedidas na escola e no trabalho, comer bem,
exercitar-se e fazer check-ups médicos. Torram menos dinheiro com bobagem,
fazem economias e planejam a aposentadoria. Negativamente, trabalham demais,
divertem-se de menos e são pouco altruístas. Fatores que influenciam a
orientação no futuro são morar em região de clima temperado, ter família e
governo estáveis, ser protestante ou judeu e ter alta escolaridade.
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Tempo e confiança - Para além dos fatores de ordem pessoal, os
pesquisadores destacam a impacto das variáveis políticas e econômicas sobre a
orientação temporal. "Quanto menos as pessoas confiam nas promessas do
governo, das instituições e das famílias, mais elas evitam o futuro e focam no
presente, criando um mundo de sim e não, branco e preto, em vez de um mundo de
contingências e probabilidades", dizem os psicólogos no livro O
Paradoxo do Tempo, lançado em 2009 no Brasil. "O desenvolvimento
de uma orientação para o futuro requer estabilidade e consistência no presente,
ou as pessoas não podem fazer uma estimativa razoável das consequências de suas
ações."
Assim, quando a inflação sobe, o PIB
cai e o índice de desemprego aumenta, o impacto não é somente no bolso de uma
pessoa, mas no seu grau de confiança em relação ao governo. O mesmo critério se
aplica às instituições jurídicas e legislativas. A cada vez que um juiz aparece
dirigindo o carro que ele mandou apreender de um réu ou que o nome de um
deputado surge na lista de acusados de corrupção, o país como um todo anda para
trás.
A biologia do
imediatismo - Ninguém nasce orientado para o
futuro. Biologicamente, o ser humano é imediatista. Os genes programam as
células para dar o melhor de si no começo da vida, e empurrar com a barriga o
que há de pior. Como resumiu o biólogo inglês William Hamilton, a lógica do
organismo é "viver agora, pagar depois". Os espermas e óvulos
produzidos na juventude, por exemplo, são de melhor qualidade do que aqueles do
meio para o fim da vida fértil.
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Essa lógica faz sentido do ponto de
vista evolutivo. Num ambiente repleto de ameaças, não há tempo a perder - por
isso, nossos ancestrais caçadores-coletores viviam sob a égide do imediatismo.
Com o advento da agricultura, os homens começaram a olhar mais longe e
planejar: construir abrigos, confinar animais, armazenar alimentos etc. A
perspectiva temporal mudou: em vez de olhar somente para o ciclo noite/dia, o
homem passou a observar as fases da lua e as estações do ano. Pensar à frente
foi um elemento essencial para nossos antepassados que sobreviveram aos
invernos sem comida.
A capacidade de olhar para o futuro é
um aprendizado para cada ser humano. Um bebê não está preocupado com a refeição
de amanhã, mas com a fome que sente agora. Ele terá de aprender a controlar
seus impulsos. No famoso "experimento do marshmallow", o psicólogo
Walter Mischel, da Universidade Stanford, testou a habilidade de autocontrole
de crianças de quatro anos. A maioria não conseguiu controlar o desejo de
gratificação imediata e comeu o doce, enquanto um terço esperou 15 minutos e
foi recompensado com duas guloseimas.
Pesquisas com as mesmas crianças anos
depois mostraram que aquelas que esperaram tinham mais autoconfiança e lidavam
melhor com o stress e a adversidade na vida adulta. Além disso, tiraram notas
mais altas no SAT, o vestibular americano, do que as que não controlaram o
impulso. Elas começaram a desenvolver, desde cedo, a habilidade de olhar para o
futuro.
Brasil em ritmo
lento - Por razões culturais profundas,
o Brasil está em grande parte orientado para o presente. Nos anos 1970, durante
uma temporada em Niterói (RJ), a impontualidade dos brasileiros, o
descompromisso e a imprecisão dos relógios desnortearam o psicólogo americano
Robert Levine. "Por mais que eu tentasse desacelerar", lembra,
"acabava sempre ouvindo um 'Calma, Bobby, calma'." O choque cultural
o levou a centrar suas pesquisas nas relações entre cultura e perspectiva
temporal.
Levine viajou o mundo e comparou o
ritmo de 31 países, com atenção a três variáveis: velocidade do pedestre;
agilidade dos Correios; acurácia dos relógios. Ele descreveu o resultado no
livro Uma Geografia do tempo: o brasileiro caminha devagar (última
posição no ranking), é impreciso na contagem das horas (28º lugar) e perde
tempo para comprar um selo (24º lugar). Na média geral, o país ficou em 29º
lugar, entre El Salvador e Indonésia. O primeiro lugar é da Suíça.
O psicólogo retornou ao Brasil em
2013 e acredita que o país ainda demonstra uma incrível vocação para relaxar.
Desta vez ele foi à Bahia. A bagagem se perdeu no caminho. Até reavê-la, foram
três dias - quase o tempo de toda sua estadia. Não passou despercebido ao
americano que 'esperar', em português, pode assumir os sentidos de espera,
esperança e expectativa ('wait', 'hope' e 'expect').
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Acelerando - Então estamos condenados a viver no dia da
marmota? Para John Boyd e Philip Zimbardo, não. "A atitude de uma pessoa
em relação ao tempo é em grande parte fruto do aprendizado", dizem. O
ritmo da vida e a percepção do tempo na comunidade onde vivemos são internalizados,
aceitos e disseminados por nós. Investir em educação é uma maneira de se
ensinar uma criança a dar valor ao futuro.
Levine concorda. "A maneira como
a pessoa enxerga o tempo reflete o modo como ela encara a vida", diz. Não
se trata de perder a espontaneidade - uma qualidade da orientação no presente -
e tornar-se um maníaco por controle - um defeito que pode emergir do foco no
futuro -, mas de encontrar um meio termo saudável e aprender a mudar de ritmo
conforme a necessidade. Levine ressalta que algumas pessoas não separam o ritmo
no trabalho dos demais momentos da vida. "Tem gente que precisa se sentir
ocupada o tempo todo. No Brasil, notei que as pessoas que trabalhavam em ritmo
acelerado podiam adotar um ritmo mais lento de vida ao final do expediente",
diz. "A chave é procurar um equilíbrio e tomar controle da situação, para
que você não sinta que está abrindo mão de outras coisas da sua vida."
Fonte
veja





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