Por que não conseguimos combater as superbactérias? Ianomâmis podem ter a resposta /Pesquisa revela que índios apresentam em seu corpo o conjunto de bactérias mais rico do planeta e, mesmo sem contato com antibióticos, apresentam resistência a alguns deles. Juntas, essas características podem ajudar os cientistas a descobrir por que o medicamento não faz efeito em alguns de nós
Em alguns ianomâmis nem mesmo medicamentos de última geração,
capazes de combater um amplo espectro de bactérias, faria efeito. (Ariana Cubillos/AP)
Trinta e quatro índios ianomâmis de uma tribo isolada da
Venezuela podem ser a chave para compreender por que nosso corpo não consegue
combater algumas superbactérias. Mesmo sem nunca terem tomado remédio, esses
ianomâmis apresentam resistência a antibióticos criados pelo homem. Em alguns
deles, nem mesmo medicamentos de última geração, capazes de combater um amplo
espectro de microorganismos, fariam efeito. Essa característica, revelada por
uma pesquisa publicada no periódico especializado Science Advances, na última sexta-feira, pode ajudar a
ciência a descobrir a origem da grande resistência a
antibióticos humana.
Por meio de extensas análises, os pesquisadores liderados pela
Universidade de Nova York, nos Estados Unidos, descobriram que os ianomâmis têm
o microbioma mais variado do planeta. É quase duas vezes mais rico em espécies
que o de um americano e supera outros povos nativos da Amazônia e da África. No
entanto, os testes com medicamentos mostraram que eles também têm genes de
resistência a pelo menos oito tipos de antibióticos - apesar de jamais terem
tomado um. Alguns não apresentavam respostas nem mesmo aos medicamentos de
amplo aspectro, o tipo de antibiótico que usamos para combater bactérias
resistentes ou superbactérias, como a Escherichia
coli, uma das principais causadoras de infecções urinárias (o
segundo tipo de infecção mais comum em todo o mundo).
No entanto, nos índios, nem todos os genes de resistência estão
na mesma bactéria. Isso acontece porque só o uso constante de antibióticos,
como fazemos nas cidades, seria capaz de provocar a seleção sistemática das
bactérias resistentes a medicamentos. Essa também é uma das explicações para um
microbioma tão variado: sem o acesso aos medicamentos, a variedade de espécies
de microorganismos se mantém maior.
"Sabemos que alguns genes de resistência a antibióticos
podem ser desenvolvidos naturalmente. No entanto, tal resistência em uma tribo
isolada não seria esperada e é preocupante. Esses índios podem ser a chave que
vai nos ajudar a desvendar como surge esse processo e auxiliar na criação de
antibióticos mais eficazes", afirma o infectologista Antonio Carlos Pignatari,
diretor do Laboratório Especial em Microbiologia Clínica da Universidade
Federal de São Paulo (Unifesp).
Ajuda indígena - De acordo com os pesquisadores, uma das explicações para a
resistência pode ser a troca entre as bactérias humanas e bactérias do solo,
onde genes de resistência a antibióticos são encontrados. Outra alternativa,
mais remota, seria a recepção dos genes resistentes por meio de objetos ou do
contato com populações que já apresentavam essa resistência.
A possibilidade da resistência natural a antibióticos não é
novidade para os cientistas. Afinal, o primeiro antibiótico, a penicilina, foi
descoberto por acaso em 1928 pelo biólogo escocês Alexander Fleming. Ele
descobriu que um fungo encontrado no bolor tinha a capacidade de matar o Staphylococcus aureus, que
causa infecções de pele. Desde então, grande parte dos antibióticos que
fabricamos são derivados de bactérias encontradas na natureza e,
principalmente, no solo.
"Alguns genes de resistência podem surgir a partir do
contato bactérias naturais, principalmente pelo solo ou pela água. A troca de
informações genéticas do homem com o ambiente é constante e o microbioma é
modificado pelo que comemos, pelos produtos de limpeza que usamos e pelos
medicamentos", explica Pignatari. "No entanto, ainda não sabemos ao
certo como funcionam os mecanismos que conferem a resistência natural aos genes
e é nisso que os ianomâmis poderão nos ajudar.
Microbioma - Em nosso corpo, há dez bactérias para cada célula. Juntos, esses
100 trilhões de micro-organismos pesam em torno de 2 quilos - cerca de 500
gramas a mais que nosso cérebro. Em 2007, os Institutos Nacionais de Saúde dos
Estados Unidos (NIH, na sigla em inglês) começaram o Projeto do Microbioma
Humano, com o objetivo de mapear todas as bactérias de nosso organismo. Usando
o conhecimento de sequenciamento de DNA do Projeto Genoma, também do NIH, 80
instituições de pesquisa mostraram que somos formados de mais bactérias
que células. Essas primeiras informações, publicadas em 2012,
serão compiladas e decifradas até o fim de 2015, quando termina o programa que
já consumiu 153 milhões de dólares (cerca de 350 milhões de reais) do governo
americano.
Acredita-se que esses minúsculos, mas poderosos, micróbios
poderão, em menos de uma década, transformar o diagnóstico, prevenção e
tratamento de doenças como obesidade, câncer, diabetes ou transtornos mentais.
E também ser a solução para a resistência a antibióticos, problema que, desde
2014 preocupa todo o mundo. Nos Estados Unidos, a batalha perdida pelos
antibióticos mata mais que a aids - são 23 000 mortes anuais, ante 15 000
causadas pelo HIV.
No caso dos ianomâmis, algumas bactérias raras em outras populações
podem ajudar a combater doenças. Uma delas, por exemplo, pode diminuir os
riscos de pedras nos rins. Por isso, os pesquisadores afirmam no artigo a
necessidade de caracterizar o microbioma e seus genes de resistência em
populações que têm estilos de vida ancestrais, não afetados pelas práticas
modernas.
"A caracterização da resistência nessas pessoas pode também
apoiar a criação e desenvolvimento de antibióticos que minimizem a resistência
pré-existente. As causas e consequências das mudanças no microbioma precisam
ser compreendidas para que seja possível reverter a tendência global de doenças
metabólicas e inflamatórias", concluem os cientistas
fonte veja





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